Osvladir Custódio - Psiquiatria

Fumar melhora a saúde mental?

Osvladir Custódio • dez. 25, 2021

Tabagismo, dependência de nicotina, fumante, saúde mental, depressão, ansiedade


"Há mais um década, atendi um homem de mais de 80 anos que queria parar de fumar e tinha tido vários insucessos nesta empreitada. Mostrava-se bastante preocupado e motivado por uma questão de saúde. Após a alta,  fez intervenções estéticas em sua boca e ficou famoso como garoto propaganda de um consultório dentário. Em virtude de seus anúncios, recebi outros pacientes querendo parar de fumar e desejosos pelo sorriso branco e perfeito."


Definição do tabagismo


O tabagismo é o ato de se consumir cigarros ou outros produtos que contenham tabaco, cujo princípio ativo é a nicotina. É um problema que causa dependência física, psicológica e comportamental semelhante ao que ocorre com o uso de álcool e outras substâncias psicoativas. 
É um comportamento que podemos abandonar e um fator de risco para muitas doenças, que podem causar a morte. Estima-se que, no Brasil, a cada ano, cerca de 160 mil pessoas morram devido às doenças causadas pelo tabagismo.

Pirie et al, em 2013, mostrou que dois terços de todas as mortes de mulheres fumantes, no Reino Unido, na faixa dos 50, 60 e 70 anos eram causados pelo fumo. Entre as mulheres que param de fumar antes dos 40 anos, evitam-se 90% das mortes causadas pelo consumo contínuo de tabaco; as que param antes dos 30 anos, evitam-se ainda mais mortes.

Fumantes perdem pelo menos 10 anos de vida. Adoecem com uma frequência duas vezes maior que os não fumantes. São desproporcionalmente mais propensos a se envolver em outros comportamentos de risco modificáveis, como consumo excessivo de álcool, sedentarismo e má alimentação. Têm menor resistência física, menos fôlego e pior desempenho nos esportes e na vida sexual do que os não fumantes. Além disso, envelhecem mais rapidamente e ficam com os dentes amarelados.

Dependência de nicotina tem relação com cerca de 50 doenças (p. ex., vários tipos de câncer, enfisema pulmonar, bronquite crônica, angina, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, tromboses, úlcera do aparelho digestivo, osteoporose; catarata, impotência sexual).


Tabagismo é comum


Em países desenvolvidos, a prevalência do tabagismo caiu drasticamente nos últimos 40 anos. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde, no Brasil, em 2019, a prevalência de fumantes com 18 ou mais anos foi 12,6% (homens 15,9 e mulheres 9,6%), e uma redução de 14% de fumantes foi observada entre 2013 e 2019.

A prevalência do tabagismo entre pessoas com doenças mentais e transtornos por uso de substâncias psicoativas é muito maior do que na população em geral.  Pessoas com doença mental têm duas vezes mais probabilidade de fumar do que outras pessoas.

Alguns fumantes e profissionais de saúde acreditam que fumar pode reduzir o estresse e outros sintomas relacionados à doença mental.  Essas crenças mantêm uma cultura de fumar em ambientes de saúde mental e são barreiras para efetivo tratamento desse grave problema de saúde pública.


O que o tabagismo causa?


O tabagismo crônico determina neuroadaptações das vias nicotínicas do cérebro. Em virtude dessas adaptações, após cerca de 20 minutos da última tragada, podem surgir humor deprimido, ansiedade, irritabilidade e/ou agitação, que são sintomas de abstinência.

Algumas pessoas fumam para evitar os efeitos negativos de abstinência, enquanto outras são mais motivadas pelos aspectos gratificantes de fumar. Os fumantes se sentem melhor quando fumam do que quando não fumam, e estudos empíricos confirmam que a reposição da nicotina alivia os sentimentos de estresse, depressão e raiva. Essas mudanças agudas de humor levaram à crença de que a nicotina pode trazer benefícios medicinais para fumantes.

A flutuação constante nos sintomas psicológicos induzida pela abstinência experimentada por fumantes pode piorar a saúde mental ao longo do tempo, e os efeitos biológicos associados podem aumentar o risco de doença mental. É provável que depois de quebrar o ciclo de abstinência do tabaco, ao parar de fumar, que o organismo se recupere.

Sugere-se que a associação entre tabagismo e transtornos mentais (p. ex., esquizofrenia e depressão)  seja , pelo menos em parte, um efeito causal, fornecendo mais evidências das consequências prejudiciais do tabagismo na saúde mental.



O que parar de fumar causa na saúde mental?


A cessação do tabagismo está associada à redução de depressão, ansiedade e estresse e à melhoria da qualidade de vida e do humor positivo. Os tamanhos de efeito são iguais ou maiores do que os do tratamento com antidepressivos para transtornos de humor e ansiedade.

Em uma metanálise (Taylor et al, 2021), em comparação com as pessoas que continuaram a fumar, as pessoas que pararam de fumar mostraram maiores reduções em ansiedade, depressão ou nestes dois sintomas combinados. Em pessoas que pararam de fumar, houve menor incidência de novos casos mistos de ansiedade e depressão.

Nesse mesmo estudo, em comparação com as pessoas que continuaram a fumar, as pessoas que pararam de fumar mostraram maiores melhorias em sintomas de estresse, sentimentos positivos e bem-estar mental.


Tratamento do tabagismo

 

Existem tratamentos eficazes para o tabagismo, incluindo entrevista motivacional, psicoterapia, mudanças de estilo de vida e medicamentos.

É dito que para ter sucesso o tratamento deve ser o mais individualizado possível: identificando e tratando os comportamentos associados ao tabagismo com as melhores estratégias. Mais recentemente, são estimuladas também intervenções que promovam modificação de fatores externos ao indivíduo para criar um ambiente de apoio.

Na cessação do tabagismo, intervenções iniciais como, p. ex., aconselhamento breve de um profissional de saúde e materiais impressos de autoajuda podem ser úteis. 

Entrevista motivacional, psicoterapia comportamental e cognitivo-comportamental são exemplos de tratamentos eficazes para o tratamento do tabagismo. A entrevista motivacional é um estilo de conversa colaborativa que almeja o fortalecimento da motivação do cliente e seu comprometimento com a mudança.

Os medicamentos aprovados incluem várias formas de terapia de reposição de nicotina, bupropiona e vareniclina. Essa última droga não está sendo mais comercializada no Brasil.

Os fumantes que recebem uma combinação de psicoterapia e medicamento para parar de fumar têm taxas mais altas de sucesso do que aqueles que recebem intervenção mínima.

Há evidência de que o exercício aeróbio foi melhor do que o cuidado usual na promoção da cessação do tabagismo no curto prazo. No entanto, não há evidências para suporte desse efeito dos exercícios aeróbicos em acompanhamentos de médio ou longo prazo.

O papel dos cigarros eletrônicos contendo nicotina para parar de fumar não é claro.





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