Há alguns anos, Roberto Carlos, em resposta ao questionamento do repórter do Fantástico, disse o que tenho “Não são só manias. É a questão do TOC, o Transtorno Obsessivo Compulsivo. Não se trata de se livrar dessa ou daquela mania, mas de tratar o problema como um todo. Determinadas coisas me angustiam hoje menos do que antes." Aparentemente, o artista cantor salienta que se trata de uma doença, não uma esquisitice, e pode melhorar com o tempo.
Os transtornos do espectro obsessivo-compulsivo relacionam-se em alguns pontos, como características de quadro clínico, evolução, comorbidades e respostas ao tratamento. Fazem parte desse espectro: o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), o transtorno dismórfico corporal, os transtornos de tiques, o "skin picking", o jogo compulsivo, a tricotilomania, o transtorno do comprar compulsivo e os demais transtornos de controle de impulsos.
TOC no adulto
Hoje, TOC é reconhecido como um importante problema de saúde pública. É uma condição psiquiátrica em que um indivíduo se envolve em comportamentos repetitivos ou atos mentais (compulsões) em resposta a pensamentos, impulsos ou necessidades (obsessões) intrusivos e angustiantes.
Por mais que os sintomas do TOC não sejam tão difíceis de detectar, o paciente pode esperar 15 anos até receber o diagnóstico correto. A pessoa pode não se reconhecer como doente. Achar que é um modo de estar no mundo, uma inadequação ou esquisitice. Pode evitar os serviços de saúde pela vergonha de seus sintomas ou pelo preconceito, marginalização e valoração social negativa associada à doença mental. A falta de controle sobre as obsessões e compulsões é esgotante, estressante e frustrante para quem tem TOC.
Nos últimos cinquenta anos, mudou-se a forma como TOC é definido e compreendido. Adultos com TOC têm uma apresentação clínica heterogênea. Este fenômeno é exemplificado por uma entrevista padronizada que incluem mais de 60 diferentes obsessões e compulsões. Ao longo da vida, o perfil de sintomas de um paciente também pode mudar.
Uma análise de componentes principais determinou que 4 fatores (dimensões) explicavam boa parte da variância dos dados analisados de 2 amostras de sintomas de pacientes com TOC: (a) obsessões sobre perigo, sexo, religião e corpo/compulsões de checagem; (b) obsessões de simetria ou exatidão/rituais de repetição e compulsões de contagem e de ordenamento e arrumação; (c) obsessões de contaminação/compulsões de limpeza e lavagem; (d) obsessões e compulsões de acumulação. Isso não deve ser interpretação como subtipos do transtorno, mas como dimensões com alguma validade para estudar aspectos da doença.
TOC é comum?
TOC é considerado o quarto mais importante transtorno mental em países desenvolvidos. Está classificado em décimo entre as causas mais incapacitantes do mundo, associado com mortalidade aumentada e pode impactar substancialmente a qualidade de vida dos pacientes.
Estudos epidemiológicos que utilizaram o CIDI, uma entrevista estruturada, estimaram a prevalência de TOC entre 0,3%-3,1%. Essa variabilidade observada pode refletir o intervalo de tempo adotado, a habilidade técnica dos entrevistadores, a forma de obter informação, o uso de dispositivos tecnológicos, os critérios diagnósticos empregados e as características intrínsecas da população em estudo.
Como é feito o diagnóstico de TOC?
Os sintomas característicos do TOC podem ocorrer juntos ou separadamente e são :
O "Zohar-Fineberg Obsessive Compulsive Screen", um instrumento de triagem curto composto de 5 perguntas em que uma reposta positiva já identifica a necessidade de uma avaliação mais abrangente:
A avaliação abrangente do TOC exige um psiquiatra que realize entrevistas diretas com o paciente e, sempre que possível, com membros da família, para que um diagnóstico preciso possa ser realizado e um tratamento individualizado possa ser desenhado.
Deve ser avaliado nas pessoas com TOC o grau de insight, ou seja, até que ponto a pessoa reconhece que suas crenças não são verdadeiras e merecem atenção especializada.
A apresentação clínica em adultos mais velhos pode ser diferente da observada em mais jovens, com certos sintomas mais frequentes em adultos mais velhos como, p. ex. com o medo associado ao processo de envelhecimento, como medo de esquecer e o de ter pecado.
A maioria das pessoas apresenta a coexistência de TOC com outros transtornos mentais, a comorbidade; o que pode tornar o quadro clínico mais complexo, o tratamento mais desafiador e pior o desfecho clínico do tratamento.
Uma metanálise recente descobriu que pacientes com TOC apresentaram risco relativamente maior de suicídio, quando comparados com controles saudáveis. Por isso, é extremamente importante avaliar o risco de suicídio. Comorbidade com outros transtornos mentais, história prévia de tentativa de suicídio, sentimentos de desesperança e sintomas depressivos, obsessivos e ansiosos graves correlacionam-se com maior risco de suicídio.
É extremamente importante avaliar comportamentos de evitação, que costumam ser incapacitantes, são reforçados negativamente e servem para lidar com a vergonha da exposição pública e o sofrimento provocado pelas obsessões e compulsões.
A gravidade dos sintomas podem ser mensurada por meio de escalas validadas, cuja medida pode ser útil para monitorar os resultados do tratamento escolhido.
Diagnóstico diferencial
O TOC precisa ser diferenciado de :
Curso do TOC
As primeiras manifestações de TOC geralmente aparecem entre as idades de 8 e 11 anos, com um aumento em diagnósticos de TOC durante a puberdade e, novamente, no início da idade adulta.
O resultado de uma metanálise demonstrou, no longo prazo, alta taxa de remissão dos casos, o que contraria as crenças comuns sobre o mau prognóstico do TOC. Nesse estudo, a taxa de remissão em casos moderados e graves foi estimada em 53% (95% CI, 42% -65%) em um seguimento de cerca de 5 anos. Os sintomas iniciaram, em geral, na segunda década de vida dos pacientes e duravam mais de uma década.
Tratamento do TOC
As perspectivas não são necessariamente boas para todas as pessoas com TOC.
Psicoeducação é essencial para o paciente e os familiares. Muitas vezes, familiares participam dos sintomas de alguma forma. Sem a participação deles o sucesso do tratamento pode ser limitado.
No momento, as diretrizes práticas para o tratamento do TOC enfatizam duas abordagens amplas: medicamentos e terapia cognitivo-comportamental (TCC) com exposição com prevenção de resposta (ERP).
Tratamento medicamentoso
Inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRI) e clomipramina têm sido consistentemente apontados como o tratamento farmacológico de primeira linha para TOC. Fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina, citalopram, escitalopram e sertralina são os SSRI. A clomipramina afeta muitos outros neurotransmissores, além da serotonina, e, por isso, apresenta muitos efeitos colaterais.
Estudos sobre o desfecho clínico do tratamento observaram, no entanto, que até 40-60% dos pacientes com TOC não respondem a tratamentos típicos, com SSRI ou clomipramina, ou não respondem tão rapidamente quanto necessário. Nestes casos, pode ser necessário para complementar o tratamento em curso com mais medicamentos.
Numerosos agentes farmacológicos foram testados para melhorar a resposta obtida pela monoterapia e demonstraram variados graus de sucesso.
Numa metanálise de 14 ensaios duplo-cegos, randomizados, os antipsicóticos (quetiapina, risperidona, aripiprazol, olanzapina, paliperidona e haloperidol) foram acrescidos aos SSRI e superiores ao placebo no tratamento de obsessões e compulsões. Não houve diferença entre os grupos em relação à interrupção do tratamento.
Numa outra metanálise de TOC refratário em uso de SSRI, 34 ensaios clínicos foram incluídos e mostraram que memantina, risperidona, topiramato, lamotrigina, aripiprazol, quetiapina e a olanzapina foram significativamente superiores ao placebo.
Outros tratamentos
Uma série de intervenções é eficaz no tratamento do TOC, mas existem incertezas e limitações consideráveis quanto à sua eficácia relativa. Levando todas as evidências em consideração, a combinação de intervenções psicoterapêuticas e psicofarmacológicas é provavelmente mais eficaz do que as intervenções psicoterapêuticas isoladas, pelo menos no transtorno obsessivo-compulsivo grave.
A TCC que incorpora a ERP é amplamente reconhecida como o tratamento psicológico de escolha para o TOC. A incerteza permanece, entretanto, sobre a magnitude do efeito da TCC com ERP e o impacto dos fatores moderadores em pacientes com TOC.
Em uma metanálise combinando mais de 2 mil pacientes, adultos e crianças, um grande tamanho de efeito combinado emergiu em favor da TCC com ERP, que pareceu diminuir com o aumento da idade. Um grande tamanho de efeito foi encontrado para a TCC com ERP na redução dos sintomas de TOC, mas depende da escolha do controle comparador.
Eletroconvulsoterapia (ECT) e estimulação cerebral profunda podem ser utilizadas no tratamento de TOC refratário. No caso de ECT, é especialmente, indicada quando não há depressão ou psicose associada ao TOC.
O FDA, uma agência reguladora ligada ao departamento de saúde do governo norte-americano, aprovou a aplicação de estimulação magnética transcraniana para tratamento do TOC, mas ainda faltam evidências robustas. Atividade física provavelmente reduz o risco de síndrome metabólica e melhora a saúde geral, mas ainda faltam evidências que suportem a redução de obsessões e compulsões.
No caso de adultos, a prevenção de recaída é superior com a manutenção de um antidepressivo. A descontinuação do tratamento de manutenção, mesmo após um período de bem-estar prolongado, está associada a um risco elevado de recidiva.
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