Osvladir Custódio - Psiquiatria

Quais os tratamentos para o transtorno obsessivo compulsivo em adultos?

Osvladir Custódio • dez. 28, 2021

transtorno obsessivo compulsivo, TOC, doença obsessiva compulsiva, DOC, obsessão, compulsão, exposição com prevenção de resposta, terapia cognitivo comportamental, inibidores seletivos de recaptação de serotonina, clomipramina, eletroconvulsoterapia



Há alguns anos, Roberto Carlos, em resposta ao questionamento do repórter do Fantástico, disse o que tenho  “Não são só manias. É a questão do TOC, o Transtorno Obsessivo Compulsivo. Não se trata de se livrar dessa ou daquela mania, mas de tratar o problema como um todo. Determinadas coisas me angustiam hoje menos do que antes." Aparentemente, o artista cantor salienta que se trata de uma doença, não uma esquisitice, e pode melhorar com o tempo.

Os transtornos do espectro obsessivo-compulsivo relacionam-se em alguns pontos, como características de quadro clínico, evolução, comorbidades e respostas ao tratamento. Fazem parte desse espectro: o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), o transtorno dismórfico corporal, os transtornos de tiques, o "skin picking",  o jogo compulsivo, a tricotilomania, o transtorno do comprar compulsivo e os demais transtornos de controle de impulsos.


TOC no adulto


Hoje, TOC é reconhecido como um importante problema de saúde pública. É uma condição psiquiátrica em que um indivíduo se envolve em comportamentos repetitivos ou atos mentais (compulsões) em resposta a pensamentos, impulsos ou necessidades (obsessões) intrusivos e angustiantes.

Por mais que os sintomas do TOC não sejam tão difíceis de detectar, o paciente pode esperar 15 anos até receber o diagnóstico correto. A pessoa pode não se reconhecer como doente. Achar que é um modo de estar no mundo, uma inadequação ou esquisitice. Pode evitar os serviços de saúde pela vergonha de seus sintomas ou pelo preconceito, marginalização e valoração social negativa associada à doença mental. A falta de controle sobre as obsessões e compulsões é esgotante, estressante e frustrante para quem tem TOC.

Nos últimos cinquenta anos, mudou-se a forma como TOC é definido e compreendido. Adultos com TOC têm uma apresentação clínica heterogênea. Este fenômeno é exemplificado por uma entrevista padronizada que incluem mais de 60 diferentes obsessões e compulsões.  Ao longo da vida, o perfil de sintomas de um paciente também pode mudar.

Uma análise de componentes principais determinou que 4 fatores (dimensões) explicavam boa parte da variância dos dados analisados de 2 amostras de sintomas de pacientes com TOC: (a) obsessões sobre perigo, sexo, religião e corpo/compulsões de checagem; (b) obsessões de simetria ou exatidão/rituais de repetição e compulsões de contagem e de ordenamento e arrumação; (c) obsessões de contaminação/compulsões de limpeza e lavagem; (d) obsessões e compulsões de acumulação. Isso não deve ser interpretação como subtipos do transtorno, mas como dimensões com alguma validade para estudar aspectos da doença.



TOC é comum?


TOC é considerado o quarto mais importante transtorno mental em países desenvolvidos. Está classificado em décimo entre as causas mais incapacitantes do mundo, associado com mortalidade aumentada e pode impactar substancialmente a qualidade de vida dos pacientes.

Estudos epidemiológicos que utilizaram o CIDI, uma entrevista estruturada, estimaram a prevalência de TOC entre 0,3%-3,1%. Essa variabilidade observada pode refletir o intervalo de tempo adotado, a habilidade técnica dos entrevistadores, a forma de obter informação, o uso de dispositivos tecnológicos, os critérios diagnósticos empregados e as características intrínsecas da população em estudo.


Como é feito o diagnóstico de TOC?


Os sintomas característicos do TOC podem ocorrer juntos ou separadamente e são :


  • obsessões : pensamentos, imagens ou impulsos recorrentes, intrusivos e indesejados
  • Contaminação de sujeira, germes, vírus, fluídos, entre outros
  • Preocupação excessiva com ordem e simetria
  • Medo de sofrer danos (p. ex., as fechaduras da porta não são seguras)
  • Obsessão com o corpo ou sintomas físicos
  • Pensamentos religiosos, de sacrilégio ou de blasfêmia
  • Pensamento sexuais (p.ex., ser um pedófilo ou homossexual)
  • Impulso para acumular coisas inúteis
  • Pensamentos de violência ou agressão


  • compulsões : comportamentos repetitivos ou atos mentais que o indivíduo se sente compelido a realizar
  • Checagem
  • Limpar/lavar
  • Atos repetidos 
  • Compulsões mentais (p. ex. repetir de uma certa maneira)
  • Ordem, simetria e exatidão 
  • Colecionar/acumular
  • Contar 


O "Zohar-Fineberg Obsessive Compulsive Screen", um instrumento de triagem curto composto de 5 perguntas em que uma reposta positiva já identifica a necessidade de uma avaliação mais abrangente:

  • Você lava ou limpa muito?
  • Você verifica muito as coisas?
  • Existe algum pensamento que continua incomodando você e do qual gostaria de se livrar, mas não consegue?
  • Suas atividades diárias demoram muito para terminar?
  • Você está preocupado com a ordem ou simetria?


A avaliação abrangente do TOC exige um psiquiatra que realize entrevistas diretas com o paciente e, sempre que possível, com membros da família, para que um diagnóstico preciso possa ser realizado e um tratamento individualizado possa ser desenhado.

Deve ser avaliado nas pessoas com TOC o grau de insight, ou seja, até que ponto a pessoa reconhece que suas crenças não são verdadeiras e merecem atenção especializada.

A apresentação clínica em adultos mais velhos pode ser diferente da observada em mais jovens, com certos sintomas mais frequentes em adultos mais velhos como, p. ex. com o medo associado ao processo de envelhecimento, como medo de esquecer e o de ter pecado. 

A maioria das pessoas apresenta a coexistência de TOC com outros transtornos mentais, a comorbidade; o que pode tornar o quadro clínico mais complexo, o tratamento mais desafiador e pior o desfecho clínico do tratamento.

Uma metanálise recente descobriu que pacientes com TOC apresentaram risco relativamente maior de suicídio, quando comparados com controles saudáveis. Por isso, é extremamente importante avaliar o risco de suicídio. Comorbidade com outros transtornos mentais, história prévia de tentativa de suicídio, sentimentos de desesperança e sintomas depressivos, obsessivos e ansiosos  graves  correlacionam-se com maior risco de suicídio.

É extremamente importante avaliar comportamentos de evitação, que costumam ser incapacitantes,  são reforçados negativamente e servem para lidar com a vergonha da exposição pública e o sofrimento provocado pelas obsessões e compulsões.

A gravidade dos sintomas podem ser mensurada por meio de escalas validadas, cuja medida pode ser útil para monitorar os resultados do tratamento escolhido.


Diagnóstico diferencial


O TOC precisa ser diferenciado de :

  • transtornos de ansiedade que apresentam medos recorrentes e preocupação excessiva;
  • depressão que apresentam ruminações;
  • transtornos do espectro obsessivo-compulsivo como transtorno dismórfico corporal (preocupações específicas com a aparência), tricotilomania (puxar o cabelo), transtornos de tiques;
  • transtornos alimentares (preocupações centradas no peso, forma e alimentação);
  • transtornos psicóticos;
  • transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva ou anancástica (um constante sentimento de dúvida,, escrupulosidade, verificações, e preocupação com pormenores, obstinação, prudência e rigidez excessivas que persiste na idade adulta).


Curso do TOC


As primeiras manifestações de TOC geralmente aparecem entre as idades de 8 e 11 anos, com um aumento em diagnósticos de TOC durante a puberdade e, novamente, no início da idade adulta.

O resultado de uma metanálise demonstrou, no longo prazo, alta taxa de remissão dos casos, o que contraria as crenças comuns sobre o mau prognóstico do TOC. Nesse estudo, a taxa de remissão em casos moderados e graves foi estimada em 53% (95% CI, 42% -65%) em um seguimento de cerca de 5 anos. Os sintomas iniciaram, em geral, na segunda década de vida dos pacientes e duravam mais de uma década. 


Tratamento do TOC


As perspectivas não são necessariamente boas para todas as pessoas com TOC.

  • Uma parcela das pessoas não procura ajuda psiquiátrica pelo estigma associada ao transtorno mental.
  • Nem todas as pessoas consegue acesso à avaliação e consequentemente ao tratamento.
  • As pessoas que passam por avaliação muitas vezes não são adequadamente diagnosticadas e, quando o são, não tem acesso ao tratamento adequado.
  • Mesmo, quando adequadamente tratados, uma parcela significativa não responde aos tratamentos disponíveis.


Psicoeducação é essencial para o paciente e os familiares. Muitas vezes, familiares participam dos sintomas de alguma forma. Sem a participação deles o sucesso do tratamento pode ser limitado.

No momento, as diretrizes práticas para o tratamento do TOC enfatizam duas abordagens amplas: medicamentos e terapia cognitivo-comportamental (TCC) com exposição com prevenção de resposta (ERP).


Tratamento medicamentoso


Inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRI) e clomipramina têm sido consistentemente apontados como o tratamento farmacológico de primeira linha para TOC. Fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina, citalopram, escitalopram e sertralina são os SSRI. A clomipramina afeta muitos outros neurotransmissores, além da serotonina, e, por isso, apresenta muitos efeitos colaterais.

Estudos sobre o desfecho clínico do tratamento observaram, no entanto, que até 40-60% dos pacientes com TOC não respondem a tratamentos típicos, com SSRI ou clomipramina, ou não respondem tão rapidamente quanto necessário. Nestes casos, pode ser necessário para complementar o tratamento em curso com mais medicamentos.

Numerosos agentes farmacológicos foram testados para melhorar a resposta obtida pela monoterapia e demonstraram variados graus de sucesso.

Numa metanálise de 14 ensaios duplo-cegos, randomizados, os antipsicóticos (quetiapina, risperidona, aripiprazol, olanzapina, paliperidona e haloperidol)  foram acrescidos aos SSRI e superiores ao placebo no tratamento de obsessões e compulsões. Não houve diferença entre os grupos em relação à interrupção  do tratamento.

Numa outra metanálise de TOC refratário em uso de SSRI, 34 ensaios clínicos foram incluídos e mostraram que memantina, risperidona, topiramato, lamotrigina, aripiprazol, quetiapina e a olanzapina foram significativamente superiores ao placebo.


Outros tratamentos


Uma série de intervenções é eficaz no tratamento do TOC, mas existem incertezas e limitações consideráveis quanto à sua eficácia relativa. Levando todas as evidências em consideração, a combinação de intervenções psicoterapêuticas e psicofarmacológicas é provavelmente mais eficaz do que as intervenções psicoterapêuticas isoladas, pelo menos no transtorno obsessivo-compulsivo grave.

A TCC que incorpora a ERP é amplamente reconhecida como o tratamento psicológico de escolha para o TOC. A incerteza permanece, entretanto, sobre a magnitude do efeito da TCC com ERP e o impacto dos fatores moderadores em pacientes com TOC.

Em uma metanálise combinando mais de 2 mil pacientes, adultos e crianças, um grande tamanho de efeito combinado emergiu em favor da TCC com ERP, que pareceu diminuir com o aumento da idade. Um grande tamanho de efeito foi encontrado para a TCC com ERP na redução dos sintomas de TOC, mas depende da escolha do controle comparador.

Eletroconvulsoterapia (ECT)  e estimulação cerebral profunda podem ser utilizadas no tratamento de TOC refratário.  No caso de ECT, é especialmente, indicada quando não há depressão ou psicose associada ao TOC.

FDA, uma agência reguladora ligada ao departamento de saúde do governo norte-americano, aprovou a aplicação de estimulação magnética transcraniana para tratamento do TOC, mas ainda faltam evidências robustas. Atividade física provavelmente reduz o risco de síndrome metabólica e melhora a saúde geral, mas ainda faltam evidências que suportem a redução de obsessões e compulsões.

No caso de adultos, a prevenção de recaída é superior com a manutenção de um antidepressivo.  A descontinuação do tratamento de manutenção, mesmo após um período de bem-estar prolongado, está associada a um risco elevado de recidiva.





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