Osvladir Custódio - Psiquiatria

O que é psicologia positiva?

Osvladir Custódio • 19 de novembro de 2021


Linguagem


Para Wittgenstein, em sua segunda filosofia, o significado de uma linguagem é apreendido em seu uso (p.ex. relatar um acontecimento, propor uma hipótese e prová-la, cantar) e são diversos usos possíveis. Uma pessoa gritando “água” pode ter diferente significados. Se esta pessoa está em frente de uma casa em chamas, à beira de um deserto ou imobilizado por um lutador do UFC, o significado será compreendido rapidamente pelo observador.

Wittgenstein argumentou que uma palavra ou mesmo uma frase só tem significado dentro das "regras" do "jogo" linguístico que está sendo jogado em determinado momento. Há apenas um significado da palavra, normalmente, dado naquele contexto particular em que o significado de uma palavra é claro para os participantes. Portanto, não aprendemos o nome das coisas, mas um comportamento expressivo que substitui o comportamento natural.

Wittgenstein era perfeccionista, obstinado na busca incessante da verdade e incapaz de tolerar os tolos. Como contraste e consolo à insatisfação que parecia ter com o mundo, em seu leito de morte, em 1951, pediu ao amigo: "Diga a eles que tive uma vida maravilhosa."


Felicidade Clandestina


O tema central do incrível conto de Clarice Lispector, a “Felicidade clandestina”, é o conceito de “felicidade”, que para a menina pobre, amante de livros, está contida no simples prazer de possuir o livro.  A felicidade é inicialmente adiada, dia após dia, pela crueldade de uma menina má. Quando finalmente a menina, que não podia tê-lo, consegue o ter em mãos por tempo indeterminado, parece entender "felicidade de pobre dura pouco", porque relata formas de prolongar a felicidade.

"Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardaria o livro, achava-o , abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade... Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante."

No conto, a felicidade é efêmera porque o livro não é dela.

No conto, a felicidade é clandestina porque se revela na fragilidade dos momentos de alegria e plena realização experimentados na vida da protagonista, tais como na posse provisória de livro. Clandestina talvez também no sentido de ilegítima.


Felicidade na antiguidade


Na etimologia, felicidade vem do Latim felicitas.  Frequentemente discorremos sobre felicidade de três maneiras.

Na primeira, dentro da tradição filosófica, que oferece boas perguntas, mas não produz respostas definitivas, felicidade é assunto sério.  A palavra “eudaimonia” refere-se a uma concepção ética da Antiguidade e postula a busca da felicidade como finalidade moral.

Sócrates orientou um novo rumo para a compreensão da ideia de felicidade. O homem não é só o corpo, mas é, principalmente, a alma. Por isso, felicidade não se relaciona apenas à satisfação dos desejos e necessidades do corpo, e é o bem da alma que só pode ser atingido por meio de uma conduta virtuosa e justa.

Aristóteles definia a felicidade como um bem supremo, não por ser necessária, e, sim, por constituir um bem em si mesmo. A procura pela felicidade é para satisfazer as suas necessidades em todos os âmbitos de sua vida.

Para Aristóteles, a virtude não é mero conhecimento, nem natural ao homem e é mais uma prática que deve exercida constantemente até que se torne um hábito.  As ações virtuosas constituem a felicidade e inclinam o homem ao bem. As atividades viciosas conduzem a infelicidade.

Para os estoicos, o homem apenas poderia conseguir essa tal felicidade por meio de suas próprias virtudes, ou seja, dos seus conhecimentos. No estoicismo, o foco é a busca da felicidade com o domínio ou a extinção de paixões, desejos e inclinações sensoriais, na possibilidade de viver de forma serena e com paz de espírito.

O autor do livro Metamorfose em que descreve a história de uma barata que vira homem, Franz Kafka, em 1922, escreveu que o medo significa infelicidade, mas não decorre disso que coragem significa felicidade. Segundo Epicuro, para ser feliz seria necessário controlar os nossos medos e desejos de maneira que o estado de prazer seja estável e equilibrado, com um consequente estado de tranquilidade e de ausência de dor (aponia).  A Carta a Meneceu estimula o exercício do filosofar como caminho indispensável para a felicidade.

Os outros usos possíveis do termo felicidade são descrever boa fortuna; sorte ou ainda descrever uma qualidade ou estado de feliz; estado de uma consciência plenamente satisfeita; satisfação, contentamento, bem-estar.


A abordagem contextual para a felicidade.


Para um funcionalista, comportamentos modificam-se para serem úteis na luta pela sobrevivência e ajudarem o indivíduo a lidar com ambientes complexos. Com o behaviorismo, empregamos uma nova forma de olhar sobre o emprego do conceito de felicidade.

Fabián Maero afirma que, para o behaviorismo radical (radical significa raiz, nada de extremo), definir um termo não consiste em descrever aquilo a que se refere, mas em descrever as circunstâncias em que o termo é usado. Emitir um termo é acima de tudo uma atividade, uma instância de comportamento verbal, que pode ser abordada como o resto dos comportamentos: indicar o contexto do qual esse comportamento é uma função. (Tomei ciência desse aspecto no blog da ACT- Argentina, escrito pelo excelente psicólogo  Maero).

Portanto, afirma Maero, nossa definição de ansiedade não consistirá em definir o que é, mas apontará as circunstâncias históricas e atuais em que as pessoas se dizem ansiosas. Da mesma forma, ao nos perguntarmos sobre a felicidade, não buscaremos uma definição do que é felicidade; consideraremos as circunstâncias em que nós fazemos o uso desse termo.

Uma avaliação funcional do comportamento exige, portanto, que estabeleçamos as relações entre o comportamento, os antecedentes (estímulos e motivação) e as consequências. E permite-nos vislumbrar as causas de um comportamento. Baum, em seu livro Understanding Behaviorism: behavior, culture, and Evolution (2017), pergunta: sob quais condições as pessoas dizem que são felizes? Em primeiro lugar, as pessoas relatam maior felicidade quando estão livres possíveis consequências aversivas.

Observa-se o relato de felicidade por pessoas quando seu ambiente oferece escolhas (ações alternativas possíveis) e as escolhas têm consequências reforçadoras em vez de consequências aversivas. As pessoas tendem a ser felizes nas mesmas condições em que relatam se sentirem livres, especialmente da coerção.

As pessoas relatam maior felicidade a longo prazo quando estão livres de relacionamentos exploradores e recebem reforços equitativos. As relações de reforço e punição de uma cultura são manifestadas concretamente nos relacionamentos, que consistem na troca repetida de estímulos e consequências discriminativos pelos quais as pessoas controlam o comportamento umas das outras e as organizações controlam o comportamento das pessoas.

No longo prazo, alguém mergulhado em uma cultura pode muitas vezes entrar em conflito com o reforço pessoal de curto prazo. Exemplifica Baum : "no curto prazo, ninguém gosta de pagar impostos, mas todos se beneficiam de escolas e coleta de lixo no longo prazo".

Coma para viver em vez de viver para comer. Desista do egoísmo e dos excessos. Tais injunções, do ponto de vista comportamental, apontam para consequências aversivas. Egoísmo e excessos podem trazer prazer no curto prazo, mas, a longo prazo, podem levar à solidão, à doença e ao remorso. No longo prazo, você será mais feliz se você ajudar os outros e viver moderadamente. Essas relações de reforço de longo prazo são exatamente do tipo que têm pouco efeito no comportamento sem regras e sem obediência a regras. “Faça aos outros o que você gostaria que fizessem a você” é uma regra. isso torna provável que nosso comportamento social entre em contato com as vantagens de longo prazo de ajudar os outros.

Porque nós somos produtos da seleção natural, nossa felicidade tende a coincidir com o ajuste de nossos genes. Para a maioria das pessoas, a felicidade (reforçada) deriva das condições próprias e nos outros (reforçadores), em última análise, vinculadas à sobrevivência, conforto pessoal e ao bem-estar de filhos, outros membros da família e não parentes com quem nós têm relacionamentos mutuamente benéficos - cônjuge, amigos íntimos, membros de uma comunidade.


Psiquiatria e Psicologia Positiva


Recentemente, a psiquiatria e a psicologia passaram a estudar de forma mais sistematicamente a felicidade. Isso é uma mudança de paradigma, uma vez que o foco anterior era estado afetivo anormais ou patológicos.

Inaugurou-se uma nova área de pesquisa e atuação, denominada psicologia positiva, cujo enfoque é ocupar-se mais com as forças humanas do que com as fraquezas, ajudar a construir vidas melhores do que reparar o que está ruim e, enfim, centrar-se no que faz a vida valer a pena. Dentro de uma perspectiva histórica, não se trata de uma grande novidade, já que estava contida nas ideias da Antiguidade exploradas acima.

Em 2000, Seligman e Csikszentmihalyi descrevem a psicologia positiva como uma ciência de experiências subjetivas, traços individuais e instituições positivas que promete melhorar a qualidade de vida e prevenir os transtornos causados por uma vida estéril e sem sentido.  E relataram três tópicos principais em que as contribuições da psicologia positiva podem ser agrupadas:

  • No nível subjetivo, a experiência positiva: o bem-estar subjetivo, o otimismo, a felicidade, a autodeterminação, o “flow”, as emoções positivas e a saúde física. O que torna um momento "melhor" do que o outro? Essa qualidade hedônica da experiência atual pode ser o alicerce básico de uma psicologia positiva
  • No nível individual, a personalidade positiva: a autodeterminação, a gratidão, a resiliência, a sabedoria, a maturidade das defesas, o desempenho excepcional (criatividade e talento). Os seres humanos colocados como auto organizadores ou entidades adaptativas autodirigidas. Algumas dessas abordagens adotam uma perspectiva de desenvolvimento explícita, levando em consideração que forças individuais se desdobram ao longo de uma vida inteira.
  • Reconhecimento de que pessoas e experiências estão inseridas em um contexto social: contribuições das relações sociais para felicidade, importância das normas culturais para aliviar o sujeito do fardo da escolha. Assim, uma psicologia positiva precisa levar comunidades e instituições positivas para conta.


Seligman propôs o modelo PERMA, amplamente reconhecido e influente na psicologia positiva e ajuda a explicar e definir bem-estar em maior profundidade. “PERMA” é um acrônimo para as cinco facetas do bem-estar :

  • P - Emoções positivas: Embora buscar emoções positivas por si só não seja uma forma muito eficaz de aumentar o seu bem-estar, experimentar emoções positivas ainda ou divertir-se no momento é um fator importante. Por isso, um foco terapêutico seria fazer mais das coisas que o deixa feliz e traga alegria para sua rotina diária
  • E - Engajamento: Ter um senso de engajamento, no qual podemos perder a noção do tempo e ficar completamente absorvidos em algo que gostamos e nos destacamos, é uma importante peça de bem-estar. Por isso, focos terapêuticos são buscar hobbies que lhe interessem, desenvolver suas habilidades e procurar um emprego mais adequado às suas paixões.
  • R - Relacionamentos (positivos): os humanos são criaturas sociais, e contamos com conexões com outras pessoas para realmente florescer. Relacionamentos profundos e significativos com outras pessoas são vitais para o nosso bem-estar. Por isso, os focos terapêuticos são melhorar a qualidade (e/ou quantidade) de seus relacionamentos com outras pessoas e trabalhar na construção de relacionamentos mais positivos e de apoio com seus amigos, família e outras pessoas significativas
  • M - Significado:  quando nos dedicamos a uma causa ou reconhecemos algo maior do que nós, experimentamos uma sensação de significado sem par. O foco terapêutico seria procurar esse significado por meio de trabalho, agindo como mentor e em oportunidades de voluntariado, passatempos pessoais ou atividades de lazer.
  • A - Realização / Conquista: Todos nós prosperamos quando estamos tendo sucesso, alcançando nossos objetivos e melhorando a nós mesmos. Esse impulso para realizar e alcançar é uma das peças do quebra-cabeça do bem-estar.  O foco terapêutico é manter seu foco em alcançar seus objetivos com equilíbrio entre ambição e todas as outras coisas importantes na vida.


Eficácia de intervenções em psicologia positiva


Bolier et  al (2013) estudaram Intervenções de psicologia positiva valendo-se de uma meta-análise de estudos randomizados controlados. O uso de intervenções psicológicas positivas pode ser considerado uma estratégia complementar na promoção e tratamento da saúde mental. Descreveram 39 estudos, totalizando 6.139 participantes. As medidas de desfecho utilizadas foram a depressão e o bem-estar subjetivo e psicológico. Os resultados mostraram que as intervenções de psicologia positiva podem ser eficazes tanto na melhoria do bem-estar subjetivo e psicológico quanto na redução dos sintomas depressivos.





Baum Understanding Behaviorism: Behavior, Culture, and Evolution, 2017

Bolier, L., Haverman, M., Westerhof, G.J. et al. Positive psychology interventions: a meta-analysis of randomized controlled studies. BMC Public Health 13, 119 (2013). https://doi.org/10.1186/1471-2458-13-119

Lispector C. Felicidade Clandestina. Editora Rocco, 160 pp

Seligman, M. E. P., & Csikszentmihalyi, M. (2000). Positive psychology: An introduction. American Psychologist, 55(1), 5–14. https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.1.

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