Osvladir Custódio - Psiquiatria

O que é um tratamento com suporte empírico?

Osvladir Custódio • dez. 02, 2021

tratamento com suporte empírico, tratamento baseado em evidências, prática baseada em evidências


O que é prática baseada em evidências?


A prática baseada em evidências é uma abordagem que envolve a definição de um problema, a busca e a avaliação crítica das evidências disponíveis na literatura médica, a implementação dessas evidências na prática e a avaliação dos resultados obtidos da aplicação dessas evidências no dia-dia.


O que é tratamento com suporte clínico?


Os tratamentos com suporte empírico ou baseado em evidências referem-se a tratamentos medicamentosos, psicológicos ou de outros tipos específicos para uma população ou transtorno mental específico (p. ex., depressão maior, transtorno de pânico) que se mostraram eficazes em pesquisas ou ensaios clínicos muito bem controlados. Há algumas décadas, são desenvolvidas psicoterapias para transtornos psicológicos com eficácia comprovada. A ativação comportamental para depressão, a terapia cognitivo-comportamental (CBT) para ansiedade e CBT para insônia são exemplos de tratamentos baseados em evidências ou com suporte empírico.


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Há muitas dificuldades na implantação de um tratamento com suporte clínico: o acesso, a adaptação cultural e a eficácia do tratamento na vida real, os efeitos colaterais desse tratamento, os fatores associados ao profissional e fatores ligados ao paciente.


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Um fenômeno mais recente foi a observação que esses tratamentos com suporte empírico não são incorporados automaticamente por profissionais de saúde mental nos serviços comunitários, ou seja, surpreendentemente, poucos pacientes recebem tratamentos baseados em evidências na atualidade.


  • Ehlers e colaboradores fizeram um levantamento com os médicos do Reino Unido e revelaram que apenas 11% dos pacientes com transtorno de estresse pós-traumático recebiam tratamento baseado em evidências.
  • A orientação do Instituto Nacional de Eficácia Clínica (NICE), em 2002, recomendou terapia cognitivo-comportamental e intervenções familiares para esquizofrenia, mas a aplicação de terapia cognitivo-comportamental ocorreu em apenas 50% dos pacientes (Berry & Haddock, 2008).
  • Wallace e von Ranson (2011) fizeram um levantamento internacional que revelou, apesar da eficácia de manuais para tratamento da bulimia nervosa, apenas 35.9% dos terapeutas utilizavam manuais.
  • Em um levantamento com psicólogos, apenas 17% dos psicólogos aplicaram técnica de exposição no tratamento do transtorno do estresse pós-traumático (Becker e col, 2004).


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Os profissionais de saúde mental muitas vezes não são adequadamente instruídos ou familiarizados com o pensamento científico, o que pode dificultar a avaliação e a compreensão dos resultados das pesquisas de tratamentos baseados em evidências.

Muitas vezes, mesmo quando competente para avaliar a informação científica, faltam os meios para obter o adequado treinamento de um manual ou tratamento. Isso pode resultar em situações em que os manuais de tratamento são seguidos vagamente, e, portanto, a aplicação de tratamentos pode apenas ter uma pequena semelhança com os protocolos empiricamente testados.

As definições de falha de tratamento e a classificação dos pacientes como não responsivos geralmente requerem que os tratamentos tenham sido adequadamente oferecidos e falharam nos desfechos clínicos estudados. No estudo de Stobie e colaboradores, entretanto, muitos pacientes que sofriam de transtorno obsessivo-compulsivo não sabiam qual tipo de terapia tinham recebido, e aqueles que supostamente foram submetidos à terapia cognitivo-comportamental receberam um tratamento que não atendia os critérios mínimos para definir este tipo de terapia.

Shafran e colaboradores discutiram os problemas entre o tratamento com suporte empírico e sua aplicação na prática clínica poderiam ser agrupados em três grandes categorias. As duas primeiras categorias remetem-se às crenças do profissional em relação à relevância e à praticidade. A última barreira é aquela que remete ao conhecimento, treinamento e divulgação do tratamento.

Apesar das evidências em contrário, muitos profissionais afirmam que, em ensaios clínicos, os pacientes são mais homogêneos e menos complexos e graves do que aqueles atendidos na prática clínica. Outros questionam que os manuais de treinamento são muito rígidos e, portanto, não levam em consideração as diferenças individuais ou as preferências de seus clientes.

Psicoterapeutas também acreditam que psicoterapia é mais “arte” do que ciência e dizem que o chamado tratamento manualizado desvaloriza aspectos cruciais da terapia como, p. ex., comunicação, empatia e calor - a "aliança terapêutica". Dizem que aplicação de manuais é limitante para a criatividade.

Terapeutas, teóricos e pesquisadores que desenvolveram os manuais de treinamento ou as intervenções empiricamente suportadas não assumiram, muitas vezes, a liderança na disseminação para prática comunitária.

Outra questão importante é que, embora recursos suficientes sejam alocados para os estudos necessários para o desenvolvimento de um tratamento empiricamente suportado, muitas vezes, faltam recursos para estudar e implementar tratamentos nos serviços da comunidade.

Em nosso meio, levando-se em conta que, a maioria dos protocolos é desenvolvida em países desenvolvidos, somam-se dificuldades adicionais para incorporar tratamentos baseados em evidências como, p. ex., a língua que pode limitar ao acesso das informações, a falta de recursos para adaptação do manual de treinamento e para estudar a efetividade do tratamento em nossa cultura e a dificuldade de treinamento de profissionais em um país de dimensão continental.



Becker, C.B., Zayfert, C., & Anderson, E. (2004). A survey of psychologists' attitudes towards and utilization of exposure therapy for PTSD. Behaviour Research and Therapy, 42(3), 277-292. doi: 10.1016/S0005-7967(03)00138-4

Berry K, Haddock G. The implementation of the NICE guidelines for schizophrenia: barriers to the implementation of psychological interventions and recommendations for the future. Psychol Psychother. 2008 Dec;81(Pt 4):419-36. doi: 10.1348/147608308X329540. Epub 2008 Jul 23. PMID: 18652741.

Ehlers A, Gene-Cos N, Perrin S. Low Recognition of Posttraumatic Stress Disorder in Primary Care. London J Prim Care (Abingdon). 2009;2(1):36-42. PMID: 23814612; PMCID: PMC3695460.

Shafran R, Clark DM, Fairburn CG, Arntz A, Barlow DH, Ehlers A, Freeston M, Garety PA, Hollon SD, Ost LG, Salkovskis PM, Williams JM, Wilson GT. Mind the gap: Improving the dissemination of CBT. Behav Res Ther. 2009 Nov;47(11):902-9. doi: 10.1016/j.brat.2009.07.003. Epub 2009 Aug 6. PMID: 19664756.

Stobie, B., Taylor, T., Quigley, A., Ewing, S., & Salkovskis, P. M. (2007). "Contents may vary": A pilot study of treatment histories of OCD patients. Behavioural and Cognitive Psychotherapy, 35(3), 273–282. https://doi.org/10.1017/S135246580700358X

Wallace LM, von Ranson KM. Treatment manuals: use in the treatment of bulimia nervosa. Behav Res Ther. 2011 Nov;49(11):815-20. doi: 10.1016/j.brat.2011.09.002. Epub 2011 Sep 14. PMID: 21939960.


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