Osvladir Custódio - Psiquiatria

Como pensa um deprimido?

Osvladir Custódio • 28 de novembro de 2021

depressão, melancolia, infelicidade, desânimo, tristura, descontentamento, abatimento,  entristecimento, desalento, apatia, desolação, desconsolo, insatisfação, esmorecimento, prostração, desesperança, soturnidade


Em 2018, o jornalista Jorge Pontual, em participação no programa “Bem Estar”, disse que sofria de depressão há 40 anos e que passou a tomar o medicamento correto, após um teste farmacogenético revelou que ele apresentava polimorfismo MTHF-redutase, importante para a produção de neurotransmissores implicados na fisiopatologia da depressão. Após a suplementação de uma vitamina, comentou o jornalista que seu humor ficou estável, sem altos e baixos.
O tema pareceu uma novidade, mas, diante de casos refratários, muitos psiquiatras já utilizavam suplementos dessa vitamina na forma ativa associados com certos antidepressivos há muitos anos. Tínhamos que formular em doses altas e custavam bem caro. Após a reportagem com Pontual, foram lançados no mercado por indústrias farmacêuticas em preço mais acessível. Quanto à utilidade de testes farmacogenéticos, há necessidade de mais transparência nas recomendações e muito mais suporte empírico para a utilização mais ampla.

Depressão ou tristeza? 

A maioria de nós sente de tempos em tempos e por um período curto, tristeza, depressão, infelicidade, culpa ou humor mais baixo. É uma reação normal nos sentirmos tristes ou deprimidos quando temos perdas ou quando os eventos não ocorrem conforme nossas expectativas. Em geral, uma conversa boa, um sorriso de um bebê, um conselho de um parente, um abraço forte e comprometido ou uma vitória na vida profissional podem produzir uma mudança nesses sentimentos. 
Há outra experiência mais duradoura que comumente tratamos como depressão clínica e envolve uma mudança qualitativa no humor e afeta negativamente como você se sente, o modo que pensa e como age. Essa experiência prejudica o desempenho do sujeito nas atividades do dia a dia.
O tipo de depressão mais estudado é o episódio depressivo maior ou a depressão maior, que causa considerável sofrimento dos pacientes e familiares, agrava a incapacidade associada à doença física e aos transtornos cognitivos, aumenta os custos dos cuidados de saúde e a mortalidade aumentada relacionada ao suicídio e à doença física.

“A verdadeira história não é o que sucedeu; é o que pensamos que sucedeu.” 
(Jorge Luis Borges)

Depressão é comum? 

Depressão é a doença mais incapacitante do mundo. É muito comum: um em cada 12 brasileiros sofreu de depressão maior no último ano. A presença de sintomas depressivos é mais alta do que depressão maior. As mulheres são mais afetadas pela depressão do que homens. 
Nos estudos brasileiros, as prevalências de sintomas depressivos clinicamente significativos e depressão maior em idosos são maiores daquelas observadas em estudos internacionais. Em estudos comparativos de outros países, a proporção de depressão maior em idosos é maior do que adultos jovens.

Quais manifestações clínicas estão presentes em depressão? 

Depressão clínica apresenta muitas manifestações clínicas:
  • Manifestação afetiva - Tristeza, melancolia, apatia, sentimento de falta de sentimento, tédio, aborrecimento crônico, irritabilidade aumentada, angústia ou ansiedade, desespero e desesperança. Expressão facial de tristeza, reduzida mobilidade facial e choro fácil ou frequente.
  • Manifestação instintiva e neurovegetativa - Anedonia; fadiga, cansaço fácil e constante; desânimo; apetite reduzido ou aumentado; despertar precoce, insônia inicial, múltiplos despertares e sonolência excessiva; redução da libido e resposta sexual; obstipação intestinal, palidez, pele fria com diminuição do turgor; variabilidade diurna no humor com tristeza mais grave pela manhã que se atenua à tarde ou à noite.
  • Alteração do pensamento - Pessimismo, ideação, planos ou atos suicidas, ideias de arrependimento, culpa, morte, desejo de desaparecer ou dormir para sempre, crença de que a vida é vazia, sem sentido e que nada vale a pena. Baixo autoconceito marcado por crenças de incapacidade, inadequação e não ser amado. Autocrítica exagerada. Delírios de ruína, miséria; delírio de culpa; delírio hipocondríaco e/ou de negação dos órgãos. Delírio de inexistência (de si e/ou do mundo). Delírios incongruentes com o humor (por exemplo, ciúmes, persecutório). 
  • Alteração da sensopercepção - Alucinações, geralmente auditivas, com conteúdo depressivo. Ilusões auditivas ou visuais.
  • Perturbação da cognição - Pobreza de associações, dificuldade para tomar decisão, déficit de atenção, concentração e memória, prejuízo de tarefas visuoespaciais e pseudodemência depressiva.
  • Alteração da expressão verbal - Latência para resposta verbal a perguntas, lentificação do discurso, respostas verbais curtas, redução do volume verbal no curso da sentença, mutismo, pouca iniciação de conversas e disprosódia (falta de inflexão emocional na voz). O contato visual com examinador é evitado.
  • Alteração da volição - Reduzido interesse e dificuldade para iniciar novas atividades. Tendência a permanecer na cama por todo o dia. Negativismo.
  • Alteração da psicomotricidade - Retardo psicomotor (ou períodos de agitação), estupor, catatonia, postura curvada e cabisbaixo, imobilidade corporal, movimentos lentos, incluindo a marcha.
  • Marcadores biológicos - Falência para suprimir a secreção de cortisol endógeno com a administração de dexametasona exógena no teste de supressão de dexametasona. Diminuição da latência para o primeiro sono REM. Resposta alterada do TSH pós-estímulo com TRH. Depressões graves, por meio de SPECT ou PET, podem apresentar hipofrontalidade. Em idosos, nos exames de neuroimagem, podem ser observados sinais de alterações vascular.

Como pensa uma pessoa deprimida?

O modelo cognitivo do saudoso Beck para a depressão pressupõe dois elementos básicos: a tríade cognitiva e as distorções cognitivas. O paciente deprimido elabora sua experiência de maneira negativa e antecipa resultados desfavoráveis para seus problemas. A forma negativa de interpretar os eventos e as expectativas motivam comportamentos depressivos que, por sua vez, fomentam, após nova interpretação, os sentimentos pessoais de inadequação, baixa autoestima e desesperança. Pode ter pensamentos de morte ou ideias suicidas como uma saída para seus problemas. A tríade cognitiva é composta por três padrões cognitivos na forma como o indivíduo vê :
  1. a si mesmo, e se percebe como uma pessoa inadequada, sem valor, defeituoso, doente ou carente. A pessoa deprimida também tende a se culpar excessivamente, mesmo que não existam razões claras para isso. Por exemplo: "sou feio", "sou chata", "sou desinteressante", "sou incapaz"; 
  2. o mundo, incluindo relações, trabalho e atividades. Nesse caso, o paciente tende a achar que o mundo lhe faz solicitações absurdas e/ou coloca obstáculos insuperáveis ao atingimento de seus objetivos desejados. Por exemplo: "o mundo me odeia", "as pessoas não apreciam meu trabalho"; 
  3. o futuro, o que parece estar cognitivamente associada ao grau de desesperança em que não há possibilidades de que as coisas melhorarão. Por exemplo:  "nunca serei feliz", "nunca me curarei",  "nunca vou servir para nada. 
As distorções cognitivas, compreendidas como erros sistemáticos na percepção e no processamento de informações, ocupam lugar central na depressão. As pessoas com depressão estruturam suas experiências de forma absolutista e inflexível, levando a erros de interpretação sobre si mesmo e sobre os eventos externos.  
As distorções cognitivas mais comuns nos pacientes deprimidos foram observadas a inferência arbitrária (conclusão precipitada com poucas evidências), abstração seletiva (escolhem evidências justificar seu mau desempenho), supergeneralização (refere-se ao hábito de interpretar uma situação isolada ou uma única experiência como verdade estabelecida.) e personalização (um erro cognitivo que consiste em levar tudo para o lado pessoal e uma atribuição pessoal geralmente de caráter negativo). 

Como é diagnóstico de depressão? 

Para fazer o diagnóstico de depressão e orientar o melhor tratamento, o médico conversa com o paciente e, quando preciso, com a família para identificar os sintomas de depressão ou de outros transtornos mentais, a quantidade e a qualidade do sono, os hábitos alimentares, a presença de eventos estressantes, as doenças físicas e os problemas de memória, as características da personalidade, a história familiar de transtorno mental, os medicamentos em uso ou abuso de substâncias psicoativas, os sucessos e fracassos em tratamentos prévios, alergias e efeitos colaterais graves com psicotrópicos. Faz um exame psíquico, físico e neurológico e, eventualmente, pode ser necessária a investigação laboratorial ou de neuroimagem.
Com base nesses questionamentos, os médicos caracterizam o tipo de depressão e sua provável etiologia. Devem diferenciar, em sua prática, depressão maior de luto, depressão orgânica, transtorno bipolar, depressão psicótica, depressão pós-parto, distimia, transtorno misto de ansiedade e depressão e transtorno de ajustamento.
Em comparação com adultos jovens, idosos com depressão maior queixam-se mais de inquietude, hipocondria e sintomas somáticos. Outra característica frequente é, durante a depressão, a queixa de prejuízo cognitivo no idoso. Por isso, em alguns idosos, é necessária a avaliação neuropsicológica, uma vez que ansiedade é um sintoma frequente em demência

Depressão tem tratamento? 

Existem vários tratamentos medicamentosos e psicológicos eficazes para depressão.  
Você deve saber que com o tratamento certo e suporte a maioria das pessoas pode recuperar-se da depressão completamente. O ruim é que ela pode ser crônica, recidivante e, muitas vezes, subtratada. 
A falta de resposta ou a falência do tratamento pode relacionar-se à aderência ao tratamento, ao diagnóstico psiquiátrico equivocado e à presença de comorbidades médicas ou psiquiátricas. Causas de resistência devem ser exploradas, por meio de propedêutica armada no momento em que não se observa a resposta esperada.
O tratamento visa à supressão dos sintomas depressivos, à melhoria da qualidade de vida e da capacidade funcional e à redução do risco de recidiva e recorrência. 
Alguns tratamentos disponíveis são: 
• a terapia cognitivo-comportamental, a ativação comportamental, a psicoterapia interpessoal, a terapia psicodinâmica breve são algumas das abordagens propostas para tratamento da depressão.
• as terapias biológicas, especialmente, psicofármacos, suplementos, eletroconvulsoterapia e estimulação magnética transcraniana. O tratamento farmacológico da depressão maior envolve primariamente o uso de antidepressivos tricíclicos, os inibidores seletivos de recaptação de serotonina, os antidepressivos duais, os inibidores da monoaminoxidase e outros.
• os tratamentos alternativos/mudanças de estilo de vida e, que podem ser utilizadas isoladamente ou em associação. Atividade física pode reduzir a gravidade da depressão, porém, a falta de engajamento dos pacientes deprimidos nestas atividades, especialmente, sem supervisão é o principal obstáculo para implementação desta recomendação. O abuso de álcool pode causar ou agravar depressão.

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