Solidão
Nesse período de pandemia, evitamos a companhia de família, amigos e conhecidos para ficarmos sãos e proteger a quem amamos e estimamos e fomos orientados pelas autoridades de saúde a ficarmos em casa. Nesse "beco", solidão e o isolamento social foram experiências prováveis.
"Em cima do palco, faço amor com 25 mil pessoas; e, então, vou para casa sozinha.":
escreveu Janis Joplin
No livro de contos “Os gestos” de Osman Lins, fragmentos de pensamentos, sentimentos e emoções de personagens, cuidadosamente calibrados, demonstram o fluxo incessante da consciência. Em cada pequena estória, há relato da impotência do ser humano. No conto “Os gestos”, André está limitado a cama, preso por uma doença, aprecia a paisagem pela janela de seu quarto, amalgama o presente e o passado em sua consciência e evidencia, na impossibilidade de comunicar-se, a inescapável solidão.
Quase todos sentem as "dores" da solidão em algum momento. Pode ser um experiência leve e transitória ou grave e prolongado (p. ex. perder um cônjuge). A primeira é comum e bem aceita como parte da existência. Os seres humanos são criaturas sociais, e contamos com conexões com outras pessoas para realmente florescer. Relacionamentos profundos e significativos com outras pessoas são vitais para o nosso bem-estar.
Solidão e isolamento social custam muito para sociedade. Associam-se a risco elevado de mortalidade, semelhantemente a outros fatores de risco bem estabelecidos como, p. ex., obesidade, abuso de substâncias psicoativas, falta de acesso aos cuidados de saúde.
Podem contribuir para a gênese de depressão, alcoolismo, pensamentos suicidas, comportamentos agressivos, psicose, baixa qualidade de sono e ansiedade. Solidão está associada com aumento de risco para demência, e solitários podem utilizar mais serviços de saúde.
“O tesouro que eu supunha comum, é unicamente meu - verifico. Apesar de havermos vivido durante muito tempo as mesmas aventuras, cada um recolheu o que elas continham de si próprio. Evocá-las, jamais repetirá o milagre de fazer com que sejam um elo entre nós se é que mesmo naquele tempo estivemos unidos algum dia.” (Osman Lins, Os Gestos)
O que é solidão?
A solidão é um estado de espírito que se caracteriza por se sentir indesejado, vazio e isolado de outros seres humanos ou descrita como uma reação negativa à discrepância entre os relacionamentos que desejamos e aqueles que temos. Sentimentos de solidão avisavam-lhes que os laços protetores estão em risco ou deficientes, o que poderia ser motivador para a mudança do comportamento. Solidão é frequentemente vista como a contrapartida subjetiva do isolamento social.
O isolamento social é definido como baixa quantidade e qualidade de contato com outras pessoas e pode ser objetivamente medido por meio de observações da rede social de um indivíduo. Isolamento social e solidão são fracamente relacionados.
“Estar isolado de seu grupo”, escreveu John Bowlby, o criador da teoria do apego, “e, em especial quando jovem, estar isolado em particular de alguém que zele pela segurança, é um ato carregado de grande perigo".
Então, de uma perspectiva evolutiva, solidão pode ser como um sinal adaptativo semelhante à fome e à sede e um poderoso motivador para se reconectar socialmente, o que, por sua vez, aumenta a sobrevivência e a oportunidade de transmitir genes. Nossos ancestrais dependiam de laços sociais para a segurança e para a reprodução para transmitir seus genes.
Solidão é comum?
Em períodos de normalidade, estamos frequentemente na companhia dos outros. Os casados, p. ex. são menos solitários que pessoas não casadas. Mesmo assim, solidão é comum em adultos. Em idosos, isolamento social, solidão e vulnerabilidade social são problemas comuns e têm consequências importantes para a saúde. Entre um terço e um quarto dos idosos experimentará solidão e/ou isolamento social. Muitos fatores (p. ex., idade, viver isolado, perda de visão e audição, fragilidade) podem contribuir para essas experiências.
Solidão dói ?
Desde os primeiros estudos de ressonância nuclear funcional sobre rejeição social, foi proposto que o córtex cingulado anterior dorsal e a ínsula anterior processam o sofrimento afetivo associado à dor física e social. Sugere-se que os recursos neurais dedicados ao processamento da dor foram cooptados ao longo da evolução para tornar a experiência de rejeição social particularmente saliente, motivando a manutenção de laços sociais próximos e, por fim, promovendo a aptidão evolutiva. Embora estudos recentes sugiram que a dor e a rejeição social têm representações distintas no córtex cingulado anterior dorsal e a ínsula anterior, porém, ainda há compreensão de um papel para essas regiões no processamento do sofrimento afetivo relacionado à rejeição.
Tratamento
Todos nós temos que entender que solidão é uma condição que pode tornar-se um problema significativo para qualquer um. Mesmo indivíduos populares e com bom status social podem se sentir solitários, e o estigma da solidão complica ainda mais a avaliação e o tratamento.
Um inquérito sobre solidão e isolamento social deve fazer parte da avaliação psicogeriátrica. Apesar de solidão ser comum, com alto risco para mortalidade e efeitos deletérios para a saúde, ainda recebe pouca atenção no treinamento médico.
Há crescente interesse no cuidado de saúde por intervenções que ajudem a minimizar a solidão e o isolamento social. São descritas várias intervenções : facilitação social, terapias psicológicas, terapias baseadas em animais (p.ex., visitas a animais, animais robóticos), atividade física, cuidado de saúde e atividades de lazer (jardinagem, artes, culinária, esportes, música e informática). Essas intervenções podem ser aplicadas isoladamente ou combinadas.
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